Publicação: Gazeta Mercantil (Brasil) Idioma: Português-Brasil Autor: Gazeta Mercantil
Companhias de seguro de veículos deveriam ficar atarantadas com o número de furtos a carros, pelo que implicam de desembolso. Com isso, seria natural que investissem, direta ou indiretamente, em práticas e equipamentos de prevenção. Mas talvez ponderem que a incidência eleva a procura por seguro e permite a prática de prêmios elevados. Talvez este aspecto responda por ganhos maiores do que os que haveria num quadro de poucos roubos, pouca procura e, em consonância, prêmios baixos.Seguros de saúde e de vida, diferentemente, investem em campanhas de prevenção a doenças. Devem ter feito as contas e verificado que gastar com doentes e pagar sinistros de vida em alto número não é lucrativo nem sustentável, ainda que, dada a maior ocorrência, vendam mais apólices e com prêmios mais caros. Primeiro, pelos gastos em si, que são altos. Segundo, porque, nesse caso, a elevação do prêmio afasta clientes sãos e atrai clientes doentes, elevando gastos, que elevam prêmios, que afastam os sadios, até que tudo quebre.Com automóveis essa chamada "seleção adversa" é muito mitigada. Quase ninguém crê que seu carro esteja a salvo de furto - como se acham imunes a moléstias muitos daqueles que se têm em boa saúde - a ponto de, por tal motivo, deixar de procurar o seguro em função do prêmio. Ou, ao menos, é preciso que o prêmio esteja num patamar tão alto que valha a pena correr o risco por alguns anos. É difícil, porque o seguro em geral sai por menos de 10% do valor do veículo, a cada ano. É muito caro em absoluto. Mas nem tanto frente ao risco e ao possível prejuízo - aqui é que a estatística policial estimula a demanda. Repor carros furtados também não é problema para as seguradoras, dado que seus preços são conhecidos e limitados e que a reposição atende, com sobras, a previsões já precificadas.Com saúde, doentes não brincam. Mas sadios, sim. Preferem acreditar na baixa probabilidade de virem a ter problemas graves a arcar com planos muito caros, seja em valores absolutos, seja em termos relativos (frente ao salário, a outros gastos possíveis e à autoconfiança). Este é o lado da demanda. Do lado da oferta, seguradoras não têm muita previsibilidade sobre os custos de tratamentos, sobretudo os prolongados e difíceis. Médicos, remédios, hospitais e laboratórios costumam onerar muito o dispêndio, principalmente nos casos de idosos e daqueles com antecedentes de doenças - que é o público que majoritariamente se concentra no círculo adverso dos planos de saúde. Os planos lhes custam os olhos, mas sem eles perderiam mais do que a cara.Seguradoras de veículos e seguradoras de saúde e de vida, como todas as empresas, buscam minimizar riscos e perdas e ampliar certezas e ganhos. No caso das primeiras, parece não valer a pena gastar, por exemplo, com equipamentos que impedissem os furtos (não seria difícil, tendo em conta que engenhocas muito mais sofisticadas, úteis e inúteis, surgem a cada dia). Um chip, uma trava, a inviabilização do uso de peças isoladas - "core business" dos desmanches. Mas apostam em rastreadores que barateiam o seguro em troca de dar ao comprador a certeza de que receberá de volta o seu veículo, ainda que todo arrebentado, e que não precisará comprar outro novo, muito caro.Já as de saúde e de vida não poupam nesse setor. Além de barrarem, dos mais variados modos, a entrada de idosos e doentes, dedicam apoios à vida saudável, à higiene, à prevenção, à ginástica, ao emagrecimento, ao bom sono, ao fim do tabaco, à moderação do álcool, à comida natural, aos remédios, aos aperfeiçoamentos médicos, às pesquisas esmagadoras e às matérias na mídia ameaçando com a morte iminente, a incapacitação, com a deformidade, a exclusão social e a privação da felicidade. Não faltam identidades científicas entre maus hábitos e culpas e insucessos. Mas sempre com a recomendação de que nunca se sabe, a vida é uma caixinha de surpresas, é melhor ter, para segurança, um plano de saúde - principalmente porque, cá entre nós, não dá para confiar na saúde pública, não é mesmo?Como sempre acreditamos que, com alguns rituais, alguma fé e alguma sorte, podemos ser felizes ou quase eternos, seguimos os conselhos. Cedo ou tarde descobriremos que isso não evita as doenças nem a morte. Pior do que isso, não nos faz felizes. No máximo nos garante, por pouco tempo, bônus por baixa sinistralidade.kicker: Os planos de saúde custam os olhos, mas, sem eles, os clientes perderiam a cara(Gazeta Mercantil/Caderno A - Pág. 3) LUIZ GUILHERME PIVA* - Diretor-técnico da LCA Consultores.
segunda-feira, 2 de março de 2009
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